O candomblé brasileiro e a cultura afro-brasileira estão de luto: faleceu na madrugada desta sexta-feira, 26, a ialorixá Mãe Carmem de Oxalá, uma das mais respeitadas lideranças religiosas do país. Carmem Oliveira da Silva, como era seu nome de registro, tinha 96 anos e estava internada no Hospital Português, em Salvador, na Bahia. A causa da morte foram complicações de uma gripe forte, que a manteve hospitalizada por duas semanas.
Mãe Carmem de Oxalá era filha biológica da icônica Mãe Menininha do Gantois, figura central na história do candomblé. Ela assumiu o comando do Terreiro do Gantois, oficialmente conhecido como Ilé Ìyá Omi Àṣẹ Ìyámase, em 2002. Sob sua liderança de 23 anos, o Gantois se firmou não só como um pilar de fé, mas também como um guardião crucial da memória e da rica ancestralidade africana no Brasil. A ialorixá completaria 97 anos na próxima segunda-feira, 29.
Uma vida dedicada à fé e à cultura negra
Nascida em 1928, a trajetória de Mãe Carmem com a religião começou bem cedo: foi iniciada no candomblé aos sete anos de idade. Ela se tornou a quinta ialorixá a guiar o terreiro, que tem uma história de fundação que remonta a 1849. Sua atuação, porém, foi muito além dos rituais sagrados.
Mãe Carmem de Oxalá era uma voz poderosa em defesa do diálogo entre diferentes religiões e uma incansável promotora da cultura negra. Sua dedicação lhe rendeu importantes reconhecimentos, como a prestigiada Medalha dos Cinco Continentes da Unesco, recebida em 2010, e a Comenda Maria Quitéria, em 2023, que celebra mulheres com impacto positivo em Salvador.
Além de seu papel espiritual, a ialorixá era uma grande incentivadora de projetos sociais. Dentro do próprio Gantois, ela fomentou cursos que ensinavam desde bordados tradicionais até dança e ritmos afro-brasileiros. Com essas iniciativas, Mãe Carmem garantiu que o valioso legado das matrizes africanas fosse passado para as novas gerações, mantendo viva uma história fundamental para a identidade brasileira.
Legado eterno na música e na comunidade
A força e a sabedoria de Mãe Carmem de Oxalá não passaram despercebidas pela arte. Sua figura e a vitalidade do Gantois serviram de inspiração para composições da música popular brasileira. Um exemplo marcante é a canção “A Força do Gantois”, composta em 2011 pelo sambista Nelson Rufino, uma homenagem à sua autoridade espiritual e à resiliência da comunidade.
Aos 97 anos (contando a idade que faria), sua gestão no Terreiro do Gantois foi marcada por um equilíbrio único entre o rigor das tradições religiosas e uma notável abertura cultural. Sob sua batuta, o terreiro expandiu sua influência para além do sagrado, abraçando ações socioeducativas e programas de preservação da memória que hoje são referência.
Para a comunidade e para todos que a conheceram, Mãe Carmem de Oxalá permanece como um pilar de resistência e um símbolo da luta pela manutenção e valorização de uma das casas mais importantes para a cultura e espiritualidade afro-brasileira. Até o momento do fechamento desta notícia, a família e os membros do Terreiro do Gantois não haviam divulgado detalhes sobre o velório e o sepultamento da líder religiosa.

