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Grupo Quixabeira da Matinha lança álbum e leva samba quilombola ao mundo

O Grupo Quixabeira da Matinha, da comunidade quilombola de Feira de Santana, lança 'Vencedor de Batalhas', seu primeiro álbum digital, levando o samba de roda para o cenário global e celebrando 37 anos de história e resistência.
Por Redação
Grupo Quixabeira da Matinha lança álbum e leva samba quilombola ao mundo

Primeiro disco do Quixabeira da Matinha a chegar às plataformas digitais, álbum marca um novo momento -

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O samba de roda, Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, que pulsa no Recôncavo Baiano, está ganhando novos palcos e ouvintes ao redor do mundo. A responsável por essa expansão é a Quixabeira da Matinha, um grupo que acaba de lançar seu primeiro álbum digital, "Vencedor de Batalhas". Este trabalho não é só um disco, mas um marco na história de 37 anos do grupo, levando a rica tradição do samba quilombola de Feira de Santana, na Bahia, para o circuito global da música.

Muito antes de virar faixa ou catálogo digital, o samba é um jeito de viver. É o chão batido nos pés, o corpo que gira na roda, a voz que canta histórias aprendidas e vividas. Ele mistura música, dança, poesia e rituais, com sua estrutura própria: um canto que chama a dança, um coro que responde ao cantador, a viola machete, as palmas e a percussão que juntos contam sobre o dia a dia, a fé, as festas e a luta de um povo. É dessa raiz profunda que "Vencedor de Batalhas" brotou.

Um álbum que celebra história e ancestralidade

O Grupo Quixabeira da Matinha nasceu e se fortaleceu na comunidade quilombola da Matinha dos Pretos, em Feira de Santana. Com um repertório enorme, passado de geração em geração, o desafio de escolher as músicas para o álbum foi grande. Guda Quixabeira, que é sambador, compositor e intérprete do grupo, contou sobre a dificuldade:

“Imagine aí, num mundo de quase 100 composições de samba de roda.”

A decisão, segundo Guda, foi tomada por todo o grupo junto, com a direção musical de Lore Cerqueira e a ajuda da mestra Chica do Pandeiro na curadoria. O resultado são 12 faixas que misturam 24 composições. O disco é um verdadeiro caldeirão de ritmos, com samba chula, samba corrido, ijexá, batuque soletrado e boi de roça. Essa mistura mostra a riqueza cultural da Matinha, onde o samba se entrelaça com o trabalho na roça, as festas de fé e os rituais que vêm tanto da África quanto do catolicismo.

O sentido profundo de “Vencedor de Batalhas”

O título do álbum, "Vencedor de Batalhas", carrega um significado muito forte, que representa a longa história de lutas da comunidade. Para Guda, não é uma frase qualquer, mas uma homenagem às batalhas que o quilombo enfrentou. Entre elas, ele destaca a briga pelo reconhecimento da autoria da música "Alô meu Santo Amaro", composta por Coleirinho da Bahia, pai de Guda e um dos grandes mestres do samba de roda da região.

Por isso, o disco é também uma forma de homenagear. Guda explica a emoção por trás do trabalho:

“Esse trabalho é uma homenagem a meu pai, Coleirinho da Bahia, e a todo seu legado; e dedicado à minha mestra, Chica do Pandeiro, guardiã de tantos saberes da cultura popular.”

Essa forte ligação com a família e a ancestralidade guia a arte do álbum e se transforma em uma narrativa que todos compartilham, de luta e de seguir em frente.

Samba: arte, política e fé

Gravar esse repertório é, para a Quixabeira, um ato político em vários níveis. Desde conseguir apoio em editais públicos até a escolha de cada música, tudo é feito em diálogo e por decisão coletiva. Mas o principal, de acordo com Guda, está nas letras das canções:

“O próprio repertório da Quixabeira é um fazer político.”

Ele lembra que as músicas falam da vida na roça, das relações entre as pessoas na comunidade, das religiões de matriz africana e do catolicismo, mostrando a mistura de crenças que é tão forte na Bahia.

Esse sincretismo religioso aparece de forma marcante na faixa-título, que Guda descreve como uma oração. E também na música "Viola Encantada", que conta sobre a relação espiritual de Coleirinho da Bahia — conhecido como Pai Marcos no Terreiro Marinheiro de Umbanda — com seu encantado e a viola que sempre o acompanhava. Não por acaso, o álbum foi lançado no dia 13 de dezembro, data em que a Umbanda celebra o Dia dos Marinheiros, uma linha espiritual ligada às águas, à superação e à proteção.

A capa do disco também reflete essa mistura de fé. Guda descreve a imagem:

“Você vê os pés com uma percata de couro, juntamente com o pandeiro e uma conta da mistura de Ogum com Oxóssi e um texto ali para ressaltar todas as questões do catolicismo, para também lembrar da mãe de Jesus, Nossa Senhora.”

O pandeiro, para ele, simboliza a força do samba de roda, e todos os elementos juntos evocam a garra, a raiz e a cultura ancestral do grupo.

Do quilombo para o mundo digital

Levar o samba de roda para as plataformas digitais é uma grande conquista para o grupo, que busca alcançar mais ouvintes. Guda demonstra otimismo:

“A esperança é que o samba de roda chegue para todos.”

Enquanto na Matinha o samba é vivido no dia a dia, nas casas, nas rezas e nas rodas de comunidade, agora ele vai circular também em shows, praças e, principalmente, nas redes sociais e aplicativos de música. A distribuição do álbum, feita pelo selo coletivo Casa das Águas 75, abre caminhos para outros grupos tradicionais do interior da Bahia. Lore Cerqueira, fundadora do selo, produtora musical e coordenadora geral do projeto, reforça a importância:

“Distribuir esse álbum nas plataformas musicais contribui para que as nossas tradições se mantenham vivas e em diálogo com novos públicos, fortalecendo a história e a cultura da nossa amada Feira de Santana.”

O álbum "Vencedor de Batalhas" foi gravado no estúdio quilombola da Casa do Samba Dona Chica do Pandeiro, depois de um ano de residência musical na comunidade. Mais do que apenas gravar canções, ele guarda décadas de história, espiritualidade e resistência. Sem perder suas raízes na roda, o álbum projeta o samba da Matinha para o mundo, como uma memória viva, em constante movimento e em permanente luta. A produção e o lançamento foram possíveis graças a um projeto aprovado pela Lei Paulo Gustavo, do Ministério da Cultura e Governo Federal, com apoio da Prefeitura de Feira de Santana e da Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Lazer.