A tuberculose, muitas vezes vista como uma doença de um passado distante, continua sendo uma ameaça séria para a saúde pública do Brasil. No último ano, o país registrou cerca de 85 mil novos casos e aproximadamente 6 mil mortes, mantendo a doença entre as infecções que mais tiram vidas em nosso território.
Essa realidade alarmante vai contra as metas da Estratégia Fim da Tuberculose, lançada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2014. O objetivo era ambicioso: reduzir em 50% o número de novos casos e em 75% as mortes até 2025, com a erradicação completa até 2035. Contudo, no Brasil, a situação é inversa; desde 2015, os casos de tuberculose só têm aumentado.
Incidência acima do esperado e o cenário carioca
Em 2023, o Brasil alcançou uma taxa de 39,8 casos a cada 100 mil habitantes. Esse número está muito longe da meta da OMS, que é de 6,7 casos por 100 mil. Um estudo recente da Fiocruz Bahia, publicado em janeiro deste ano, projeta um cenário ainda mais preocupante: se nada mudar, a taxa pode chegar a 42,1 casos por 100 mil habitantes até 2030.
O Rio de Janeiro se destaca como um dos pontos mais críticos. Em 2024, o estado registrou a segunda maior incidência do país, com 75,3 casos por 100 mil habitantes, além de ter o maior número absoluto de registros: 18 mil casos. Christina Pinho, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), explica as razões:
“Aglomerações e favelização aumentam o número de casos. O Rio viveu um cenário econômico muito negativo nos últimos anos, com aumento da pobreza e grande população privada de liberdade.”
O impacto do sistema prisional na epidemia
Um estudo de 2024 aprofundou a relação entre a tuberculose e o sistema prisional, apontando o encarceramento em massa como um fator chave para a epidemia na América Latina. Enquanto a incidência global da doença caiu 8,7% desde 2015, na nossa região houve um aumento preocupante de 19%.
Segundo a pesquisadora Yiran Liu, da Universidade de Yale, a tuberculose é frequentemente diagnosticada de forma tardia nas prisões. Ela alerta:
“Muitas pessoas são expostas na prisão, mas só desenvolvem a doença meses ou anos após a soltura.”
Na América do Sul, a prevalência da doença entre os presos é 26 vezes maior do que na população em geral. No Brasil, cerca de 37% das infecções estão ligadas, direta ou indiretamente, ao sistema prisional, como destaca Júlio Croda, professor da UFMS e coautor do estudo.
O crescimento da população carcerária brasileira é outro fator: de 90 mil pessoas em 1990, o número saltou para 755 mil em 2019. O sistema é marcado pela superlotação e uma baixa capacidade de diagnóstico, com apenas metade dos casos sendo identificada dentro das prisões.
Doença socialmente determinada e desafios no tratamento
Especialistas reforçam que a tuberculose é uma doença profundamente ligada à desigualdade social. “Ela é determinada socialmente, assim como hanseníase e doença de Chagas. É preciso um olhar ampliado”, afirma Christina Pinho. O Brasil já teve avanços positivos no passado. Políticas sociais como o Bolsa Família, por exemplo, contribuíram para reduzir a incidência da doença entre 2004 e 2015. No entanto, esse progresso foi neutralizado pelo aumento dos casos no sistema prisional.
A queda recente na cobertura da vacina BCG, essencial para prevenir formas graves da doença em crianças, também é uma preocupação.
Apesar de o tratamento da tuberculose ser gratuito e eficaz, ele enfrenta desafios. Dura seis meses e o esquema medicamentoso é complexo, o que leva muitos pacientes a abandoná-lo após uma melhora inicial. Isso aumenta o risco de surgirem bactérias mais resistentes aos remédios.
Para o futuro, a Fiocruz está desenvolvendo uma vacina de RNA, e um imunizante em fase final de testes internacionais é visto com muita esperança. No curto prazo, o país investe na ampliação da detecção precoce e no tratamento da tuberculose latente, uma condição assintomática que muitas vezes não é notificada.
Contudo, para os pesquisadores, o enfrentamento da doença passa por uma revisão das políticas de encarceramento. Yiran Liu conclui:
“O encarceramento em massa afeta não apenas os presos, mas a saúde de toda a comunidade. Investir em alternativas eficazes à prisão pode melhorar tanto a segurança pública quanto a saúde da população.”

