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Mulheres descobrem gravidez no parto: entenda a gestação 'silenciosa'

A gravidez silenciosa, onde a mulher só descobre a gestação no parto, é rara. Especialistas explicam fatores como sintomas leves, negação e falta de acesso à saúde.
Por Redação
Mulheres descobrem gravidez no parto: entenda a gestação 'silenciosa'

Os casos mais comuns envolvem mulheres que não desconfiam da gestação -

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Imagina só: uma mulher passa nove meses sem saber que está grávida e só descobre a gestação no momento do parto. Parece coisa de filme, né? Mas, por mais surpreendente que seja, essa situação, conhecida como gravidez silenciosa ou oculta, acontece. É extremamente rara, mas levanta muitas dúvidas e gera discussões, especialmente nas redes sociais.

De acordo com especialistas, essa condição que desafia o senso comum está geralmente ligada a uma combinação de fatores sociais, emocionais e também à falta de acesso adequado à saúde. O obstetra Caio Lessa, da clínica AMO, contou em uma entrevista ao Portal A TARDE que, em 20 anos de carreira, se deparou com apenas duas situações que poderiam ser classificadas como gravidez silenciosa.

Por que uma gravidez passa despercebida?

Os motivos para uma mulher não perceber que está esperando um bebê por tanto tempo são vários e complexos. Um dos principais é a ausência ou a leveza dos sintomas iniciais da gestação. Aqueles sinais clássicos do primeiro trimestre – fraqueza, muito sono, até a diminuição do apetite – podem ser tão discretos que passam batido.

“Os sintomas de gravidez são mais comuns nesse primeiro trimestre, até 14 semanas, marcado por essa sensação de fraqueza, muito sono, até redução de apetite. É comum até perder peso”, explica Caio Lessa.

O problema é que muitas mulheres acabam confundindo esses sintomas com outras condições. “Como é muito comum os sintomas gastrointestinais na população geral, até por maus hábitos alimentares, as pacientes acabam confundindo esses sintomas. E como eles melhoram, ela se dá como se tivesse sido uma melhora de uma condição gastrointestinal anterior”, completa o obstetra.

Além disso, algumas características físicas podem "esconder" a gravidez. Mulheres que estão amamentando ou que têm obesidade, por exemplo, podem ter uma percepção menor dos movimentos do bebê ou de um possível aumento da barriga. "Pacientes mais obesas têm uma menor percepção da movimentação do bebê. Mesmo com gravidez planejada, desejada, supervisionada, isso é comum", destaca Lessa.

Negação e questões emocionais também contam

Não são apenas os aspectos físicos que influenciam. O lado emocional e social tem um peso enorme. Em alguns casos, a gravidez pode não ter sido planejada ou nem mesmo desejada. Nessas situações, a mulher pode, de forma consciente ou inconsciente, negar os sinais do próprio corpo.

“Às vezes, por ser uma gravidez não planejada, até indesejada, a paciente, meio que voluntária ou involuntariamente, nega em reconhecer aqueles sintomas, aquela mudança, e aí acaba retardando o diagnóstico da gravidez ou mesmo o gerenciamento da gravidez”, pontua o Dr. Caio Lessa.

Acesso à saúde precário e falta de informação

Mesmo com toda a tecnologia e a facilidade dos testes de farmácia, o Brasil ainda enfrenta um grande desafio: a desigualdade no acesso à saúde. Em muitas regiões, principalmente as mais pobres e afastadas, conseguir um atendimento médico de qualidade é difícil. Essa realidade afeta diretamente a saúde materno-infantil.

O obstetra ressalta que a falta de acesso a serviços ginecológicos e obstétricos desde o início da vida sexual, e a ausência de um bom planejamento reprodutivo, impedem que muitas mulheres compreendam seu próprio ciclo e identifiquem mudanças importantes.

“É um país continental que tem vazios assistenciais, e eles têm ficado mais marcados nessa área da saúde materno-infantil. Então, são situações que geralmente acontecem concorrendo com problemas sociais: pouca idade, desconhecimento do corpo, baixo acesso à saúde pública ou privada, e baixa noção de educação em saúde”, aponta Lessa.

Sem um pré-natal adequado, tanto a mãe quanto o bebê ficam expostos a muitos riscos. O diagnóstico tardio, que geralmente ocorre por alguma complicação, dificulta que os médicos ajam a tempo para proteger a saúde de ambos.

Casos reais atendidos pelo médico

Para ilustrar a raridade e a complexidade da gravidez silenciosa, Dr. Lessa compartilhou duas experiências marcantes de sua carreira:

  • O primeiro caso aconteceu há mais de 20 anos, com uma paciente da zona rural da Bahia que pesava 145 quilos. Ela só descobriu a gravidez quando chegou a um pronto-socorro com dores fortes de um trabalho de parto prematuro. Um médico, desconfiado, fez o diagnóstico correto.
  • O segundo caso envolveu uma paciente jovem, com dependência química, atendida em um hospital particular de Salvador. Ela teve pré-eclâmpsia grave e convulsões. Inicialmente, foi tratada como um problema neurológico. No entanto, durante uma tomografia, a radiologista usou o ultrassom e diagnosticou a gestação.

Testes de gravidez são confiáveis?

Com os testes de hoje, a chance de erro é mínima. Os testes de farmácia e os exames de sangue são super precisos para detectar o hormônio hCG, que indica a gestação. A questão é que, na gravidez silenciosa, a mulher geralmente não desconfia que está grávida e, por isso, nem chega a fazer o teste.

“É muito improvável que uma paciente que se dispõe a fazer um teste de gravidez muito precoce, porque suspeita de gravidez, não repita isso com a manutenção. Em geral, são pacientes que gerenciam muito o seu ciclo menstrual, reconhecem o atraso. A gravidez silenciosa acaba não sendo comum nesse perfil”, esclarece o obstetra.

Ou seja, não é a falha do teste que faz a gravidez passar despercebida, e sim a falta de suspeita da própria mulher em realizá-los.

Educação e saúde: a melhor prevenção

Para o Dr. Lessa, a chave para diminuir ainda mais esses casos está na educação em saúde e no fortalecimento da atenção básica. É preciso que as pessoas tenham acesso a informações seguras e de qualidade sobre o próprio corpo, sexualidade e planejamento familiar. Ele destaca que, apesar de críticas, a internet tem um papel importante, barateando o acesso à informação e a tecnologias de diagnóstico.

Apesar dos desafios, a tendência é que a gravidez silenciosa se torne cada vez mais rara. A combinação de mais informações acessíveis e tecnologias diagnósticas a preços menores deve contribuir para que menos mulheres sejam pegas de surpresa por uma gestação não identificada.