Polícia

Bahia intensifica combate a fraudes em postos e mira crime organizado

Uma força-tarefa em Bahia, o Cira, intensifica o combate a fraudes no setor de combustíveis, desmantelando esquemas de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal ligados ao crime organizado. Operações já prenderam 15 suspeitos.
Por Redação
Bahia intensifica combate a fraudes em postos e mira crime organizado

Alex Neves comanda o comitê que integra vários órgãos no combate à sonegação, incluindo a de combustíveis. -

Compartilhe:

Uma força-tarefa especial na Bahia está intensificando o cerco contra esquemas de fraudes no setor de combustíveis. Essas operações miram não só a adulteração de produtos e a sonegação fiscal, mas também a complexa rede de lavagem de dinheiro do crime organizado que se esconde por trás de alguns postos.

Recentemente, a Operação Primus, lançada em outubro, foi um marco importante. A ação se estendeu por Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, resultando na prisão de 15 pessoas, todas já denunciadas pelo Ministério Público (MP). A investigação também conseguiu bloquear impressionantes R$ 6,5 bilhões em bens. Entre os detidos está Jaílson Ribeiro, conhecido como Jau, dono de uma rede de postos suspeita de envolvimento direto com fraudes e ligações com o crime organizado.

Não parando por aí, há duas semanas, a Operação Primus II avançou ainda mais. A ação cumpriu mandados de busca e apreensão contra três empresas e pessoas que seriam usadas como 'laranjas' ou sócios ocultos, bloqueando mais R$ 4 milhões. Alex Neves, promotor do Gaesf (Grupo de Combate à Sonegação Fiscal e aos Crimes contra a Ordem Tributária, Econômica, as Relações de Consumo, a Economia Popular e os Conexos) e coordenador do Cira, alerta:

“A gente sabe que o montante é muito superior a isso.”

Força-tarefa Cira: A união contra o crime

A força-tarefa que lidera esse combate é o Cira (Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos). Criado em 2014, o Cira é um exemplo de atuação em conjunto e ganhou ainda mais força em 2025, ao aproximar diversos órgãos públicos que antes trabalhavam de forma isolada. Atualmente, o Cira reúne:

  • Ministério Público (MP)
  • Secretaria de Segurança Pública (SSP)
  • Secretaria de Administração (Saeb)
  • Secretaria da Fazenda (Sefaz)
  • Procuradoria Geral do Estado (PGE)
  • Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA)

Essa integração foi essencial, como explica Alex Neves. Historicamente, as investigações no setor de combustíveis eram fragmentadas, com cada agência agindo em sua própria esfera. Enquanto a ANP (Agência Nacional do Petróleo) cuidava da qualidade e o Ibametro (Instituto Baiano de Metrologia) do consumidor, a Sefaz focava na arrecadação tributária. Só depois, o MP dava seguimento na área criminal. Essa forma de trabalhar era um problema.

“Essa atuação fragmentada ela é muito ruim, porque é o crime organizado contra a estrutura pública desorganizada”, detalha o promotor.

Hoje, a força-tarefa é permanente e regulamentada por decreto. Além dos órgãos já citados, conta com cinco Promotorias Regionais de combate à sonegação fiscal em Camaçari, na Bahia; Itabuna, na Bahia; Barreiras, na Bahia; Feira de Santana, na Bahia; e Vitória da Conquista, na Bahia. Elas têm a responsabilidade de investigar e processar crimes contra a ordem econômica, como a adulteração de combustível, em parceria com o Gaesf e as promotorias do consumidor.

Por que o setor de combustíveis é terreno fértil para fraudes?

O setor de combustíveis é visto como um campo propício para atividades ilegais por várias razões. A adulteração, por exemplo, não só prejudica o consumidor e o meio ambiente, mas também é um crime contra a ordem econômica. Além disso, abre portas para a sonegação fiscal e gera concorrência desleal.

Mais grave ainda, o promotor Alex Neves destaca que o segmento “é uma porta aberta para a lavagem de dinheiro”. Isso acontece porque há uma grande movimentação de dinheiro em espécie, o que facilita que recursos de origens ilegais sejam “limpos” dentro desses negócios. É essa característica que torna a atividade tão atraente para organizações criminosas.

Desafios e a busca por soluções

Mesmo com toda a integração, fiscalizar os postos localizados no interior do estado e às margens das rodovias ainda é um grande desafio. Além disso, a produção de provas robustas é crucial para garantir punições eficazes. Neves aponta duas barreiras principais:

“A gente tem duas barreiras que precisam ser transpostas para uma atuação eficaz nesse segmento. Primeiro uma questão de ordem técnica. O MP não tem braço para fiscalizar cada posto, nem é sua função primordial. Precisamos que órgãos de fiscalização administrativa atuem de forma constante e integrada com a gente. Que a ANP e o Ibametro, por exemplo, façam essas fiscalizações para nos fornecer a prova técnica da adulteração.”

A outra barreira é legal. De acordo com uma regra do Supremo Tribunal Federal (STF), a Súmula Vinculante 24, só existe crime de sonegação fiscal depois que o valor do imposto devido é formalmente confirmado pela Secretaria da Fazenda. Ou seja, o Ministério Público só pode agir criminalmente após a Sefaz autuar o contribuinte e atestar a sonegação.

Para o futuro, o coordenador do Cira tem esperança de que a reforma tributária traga ajustes na legislação, facilitando a atuação dos órgãos fiscalizadores. Nesse cenário, o trabalho de contadores com ética e o uso da tecnologia são vistos como peças-chave. O MP, inclusive, investiu quase R$ 1 milhão, via convênio com o Ministério da Justiça, em tecnologia para aprimorar a qualidade das provas em crimes econômicos.

Para combater os “empresários” sem escrúpulos que abrem e fecham postos em nome de laranjas para sonegar impostos e lavar dinheiro de crimes, o projeto do devedor contumaz, já aprovado no Congresso e aguardando sanção presidencial, terá um papel crucial.

“Empresário que passa por dificuldades e não paga, isso é dívida, ninguém pode ser preso por isso. Mas tem aquele que faz da atividade dele isso aí, incorpora esse tributo que não é repassado na atividade comercial dele. Já tem intenção de não pagar e ainda leva vantagem competitiva”, conclui Alex Neves.